terça-feira, 29 de março de 2016

Está tudo de volta

Não sei se é círculo ou se é ciclo. Mas sei que é cíclico e que é virtuoso. Fui, já de noite, estender a roupa para secar. Enquanto tratava do assunto, verifiquei que já há andorinhas dormindo nas traves que suportam o telheiro das traseiras.  Percebi que os grilos já cantam. E até uma osga já resolveu  vir apanhar ar, alapada na parede branca. Está tudo de volta. Tudo nos seus devidos lugares.

domingo, 27 de março de 2016

Passeio de domingo (300)



Passeio essencialmente azul, em fim de tarde com vento, cheiro a mar e gente sem frio.
[Falésia-Alfamar]








sexta-feira, 25 de março de 2016

Páscoa

O homem, que não me conhece de lado nenhum, cruzou-se comigo, num destes dias, na hora de almoço. Seguia sorridente e com as mãos postas, como quem vai rezando. Passou por mim saudando-me efusivamente, chamando-me Senhorinha e desejando-me uma Páscoa Feliz e tudo de bom que mais houvesse.

Agora vou eu aqui, por este caminho, noutra hora qualquer. Cruzo-me com gente que também não conheço de lado nenhum. Lembro-me do homem e sigo-lhe o exemplo.

Digo-vos, Senhores e Senhorinhas, os que conheço e os que não conheço de lado nenhum, tenham uma Páscoa Feliz.

segunda-feira, 21 de março de 2016

A vida é bela (105)

... em amarelo.



[Porque hoje também é o Dia Internacional da Cor]

Poesia - 3

Imagina / que escrevias

imagina
que escrevias um poema de cinco
em cinco minutos
e que morrias disso
não propriamente do coração
não propriamente das transaminases
mas de um problema de métrica
de uma rima excessiva
que crescesse dentro de ti
como uma pedra
nos rins

José Carlos Barros

in Rumor, 2011

Poesia - 2

Poesia à vista


Há os que fazem desenho à vista.
                                                               Eu faço poesia
à vista. Sobretudo no campo e à beira-mar. Mas também
gosto de compor naturezas vivas com as coisas e as pessoas
do meu quotidiano
                               presentes e ausentes.
                                                                              Tudo me pede
Como os meus netos:
                                               “Faz-me o retrato em verso!”
Assim saio para a Natureza sem cavalete sem tela
empunhando apenas o pincel do lápis ou da caneta
e a tinta das palavras.


Teresa Rita Lopes
in Jogos: versos e redacções para todas as idades, Editorial Presença, 2001

Poesia -1

Poesia é a que estou a receber, em boa parte de desconhecidos, no âmbito de uma espécie de jogo literário, de uma corrente de troca de poemas a que aderi contrariando a minha habitual renitência e negação no que a correntes diz respeito.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Pequena súmula de irritações diárias

Quilómetros e quilómetros de estrada em obra;
Condutores impacientes que apitam por tudo e por nada, mesmo quando é óbvio que o carro da frente não tem culpa da lentidão do trânsito;
Excrementos de cão perigosamente deixados nos passeios;
Colegas que não devolvem chamadas;


Mas, pelo menos, já se comem nêsperas.

segunda-feira, 14 de março de 2016

E agora, vou ficar aqui a sonhar...

Vício

Reconheço-me a ficar dependente do que escreve. Em cada dia, preciso de ler nem que seja uma das suas frases. Bebo-lhe as palavras. Sólidas que estejam, preto no branco, logo se diluem em cores líquidas que correm em mim como néctar e me animam os sentidos.

Adivinha

Falta a água no local de trabalho por aproximadamente uma hora. Homens e mulheres, cada qual na sua casa de banho, dão-se conta da ocorrência. Quando a avaria se encontra resolvida, ouve-se, de repente, como um dilúvio, a água jorrando das torneiras que ficaram abertas.

Em que sanitários (masculinos ou femininos) se verifica o risco de inundação?

domingo, 13 de março de 2016

Passeio de domingo (298)


Este é um passeio fraquinho e fingido. Reúne vistas de Faro captadas em ocasiões diferentes, a maior parte por telemóvel. Foi o que se arranjou para agendar previamente e não deixar em branco um domingo sem passeio real e sem possibilidade de blogar.






quinta-feira, 10 de março de 2016

Toques para despertar

Equaciono seriamente a hipótese de desligar a função despertar do telemóvel, programada para as seis e trinta da manhã de todo os dias úteis da semana.

Antes ainda dessa hora já ouço o som harmónico do canto de um melro que imagino empoleirado no poste do telefone, ali junto à nespereira. Volto-me de barriga para cima, estico as pernas, puxo o edredão até ao pescoço e mantenho-me a meio caminho entre o sonho e a realidade.

Não tarda, chega o segundo toque. Este fica a cargo dos pardais que, mais uma vez, me invadiram o telheiro e se atarefam a ajeitar os ninhos entre as canas e a telha. Piam numa algaraviada enérgica e decidida de quem começa o dia a cem à hora.

Se o meu despertador corriqueiro não entrasse entretanto em ação e eu ficasse a molengar na cama, nada estaria perdido.  Já os pardais voaram em busca dos troncos das alfarrobeiras vizinhas e começo a ouvir a vocalização ritmada de uma rola turca. Suponho-a na parte traseira de casa a balouçar nalgum fio de eletricidade.

Não fosse isso suficiente e ainda me chega o forte assobio de um verdilhão que, com toda a certeza, está saltitando no telhado.


Tantos toques para despertar e nem sequer necessitam de programação.  É a natureza levando a melhor sobre a tecnologia.

domingo, 6 de março de 2016

sexta-feira, 4 de março de 2016

Pecado capital

À hora de almoço, pequei.

Depois da refeição, sentei-me na esplanada do café e pedi o único babá ao rum que se encontrava no expositor dos doces. Por vê-lo, único no seu género, pedi-o quase a medo de que já não fosse do dia. Mas era. Era do dia, era da hora, era daquele minuto mesmo. Estava no ponto. Fofo. Húmido. Fresco. Suave.

Ali, sentada ao sol de inverno que apazigua estes dias ventosos de março, abandonei-me ao deleite de cada garfada que ia dando na massa fina do babá que, junto com o chantilly do recheio, se desfazia docemente na minha boca.

Na esplanada, quase vazia, pequei sozinha. Mergulhei no prazer egoísta do consumo daquele enorme e meloso babá que era só meu.  Sem partilha, alambazei-me.

Pequei à hora de almoço e ainda não me arrependi.