quarta-feira, 30 de novembro de 2016

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Perfumista

Abro poemas e leio perfumes. 
São como essências as palavras e é mister usá-las em sábias dosagens.

Tu sabes.                                                                                                                                                        

Aparo

- Tem canetas de aparo?
- Canetas de quê?
- De aparo.
- Canetas de apagar?
- Não. Caneta com aparo, para escrever com tinta permanente…
Cada vez mais aflita, a menina da loja recorre ao patrão.
- Sabe o que é?
- Sei, sorri o dono da loja. Não, não temos.


Só me restou sorrir também. 

domingo, 27 de novembro de 2016

Passeio de domingo (333)


Para um domingo  na capital da república, sem muita disponibilidade para fotografar, deixo um passeio pelos jardins da Gulbenkian, repescado de anterior estada em Lisboa.









quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O estranho caso de Tagik, o berbere contador de histórias



Entretanto, o pássaro azul, de papo cheio, saltitava de prateleira em prateleira, por uma das galerias que se desenhava frente ao rei e este, deixando o velho cego a falar sozinho no vestíbulo, resolveu seguir o percurso que a ave empreendera, confiante que ela haveria de o conduzir a uma saída. Um pássaro, pensava o rei, não fazia sentido senão livre, voando a céu aberto.  Nesta certeza, acompanhou a ave que seguia por intermináveis corredores de estantes, repletas de livros, umas iguais às outras, ao ponto do rei achar que caminhava em círculo, passando uma e outra vez pelo mesmo local. O rei já estava em perfeito desespero quando o pássaro pousou numa prateleira, junto a um livro de grandes dimensões, com capa de couro velho e título gravado a ouro. “O homem das quatro vidas” leu o rei, enquanto o pássaro vocalizava repetidamente “tagik, tgik, tagik, tgit, tagik”. O rei retirou o livro da estante, abriu-o sobre uma mesa de leitura que se encontrava à sua direita e ao virar a primeira página…

Fascículo 6

E mais aqui.

E, a não perder, o final da história (ou o principio de mil e uma outras) aqui.

Escrevi preto no branco


quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Cata-ventos

Foi uma das novas rotundas, entre as muitas desenhadas este ano na estrada principal, que desvendou a pequena horta de citrinos. Está do lado direito da estrada e quando ali passo pela manhã, enquanto rodo o volante para a esquerda, perfazendo o necessário semi-círculo junto ao redondel, olho invariavelmente para lá. Até nem foram as laranjeiras, viçosas, por sinal, que me espicaçaram a vista. E nem tão pouco foram uns quantos girassóis em que hoje reparei. Não. O que todos os dias me encanta são os cata-ventos. Estão acoplados à cerca que separa a horta da estrada e são tantos que a sua conta é impossível de fazer no tempo breve da minha passagem. São cata-ventos muito rudimentares, feitos de cana, mas cada um enfeitado com uma forma geométrica de cor diferente. A horta parece-me assim um jardim misterioso, ladeado de engenhos capazes de atrair ventos e outras energias, que o dono, um jardineiro sonhador, aproveita para adubar as árvores e a imaginação das criaturas que, a caminho do trabalho, precisam, em cada dia, de uma pequena dose de evasão.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Dança


A sul do vento
No balanço das nuvens
As aves dançam

Desenho

Desenhou-se uma e outra vez. Desenhou-se a lápis, a tinta, a preto, a cores. Tentou ainda o pincel. De nada serviu. Nunca se reconheceu. Pensou então em inventar-se.

domingo, 20 de novembro de 2016

sábado, 19 de novembro de 2016

Sábado

Ao fim deste sábado, o que resta entranhado em mim e pela casa é um cheiro doce. Sinto um toque de anis, um sopro de canela e açúcar trigueiro a fundir-se na fruta. Ao fim deste sábado, sobra um doce de abóbora a arrefecer na panela e frascos alinhados à sua espera. Sobra também uma moleza nas pernas e uma vontade irresistível de aceitar quanto antes o convite de um livro que, ali, pousado na mesa de cabeceira, está insistentemente a chamar-me para a cama.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

sábado, 12 de novembro de 2016

Sono

Sente-se aqui, diz-me a mulher que está no banco ao lado da cadeira da minha tia. Agradeço-lhe, mas que estou bem de pé, digo-lhe. Ela insiste e chega-se ligeiramente para a esquerda, encostando-se a outra mulher que está sentada no lugar seguinte. Bate repetidamente com a mão no banco, no sítio em que abriu espaço para mim, renovando o convite. Sento-me e fico de frente para outra fila de cadeiras e bancos encostados à parede sul da sala, onde se encontram um homem e três mulheres, duas com andarilhos junto a si. Estão ali mas já gastaram as conversas. Dormitam, indiferentes ao movimento de outros que vão chegando à sala para o lanche que será em breve servido. De vez em quando, pendem as cabeças, quase a quebrar pescoços. Uma delas foi escorregando sono abaixo, o corpo dobrado pela cintura, a cabeça a chegar ao assento. Pela janela, vejo o céu que se encheu, entretanto, de nuvens. As três mulheres e o homem sentados à minha frente já gastaram as conversas e os sonhos também. Só mesmo o sono lhes resta.


Sonhos

Nos dias em que lhe faltavam horizontes, a mulher sentava-se numa cadeira, à porta de casa. Colocava as mãos sobre os joelhos, de palmas viradas para cima e, olhando bem, invariavelmente via escaparem-se por entre os dedos sonhos antigos.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Tenho um coração de manteiga



Esta noite

A casa está em silêncio. Desliguei tudo. Não há música, não há notícias, não há comentários, não há debates, não há filmes, não há séries. Lá fora soa uma coruja. Úuú. Úuú. Outra mais ao longe responde-lhe. Úuú.Úuú. A primeira está muito perto. Ouço-a como se ali ao abrir da porta da varanda. Apago a luz antes de a entreabrir, muito devagar, centímetro a centímetro, o corpo encolhido na escuridão da sala. Não a quero assustar. Estará no telhado? No candeeiro público? No cabo elétrico? No ramo da árvore? Estico um pouco o pescoço para fora da ombreira. Nada. Ainda ouço o úuú da outra, da que está mais ao longe. Ou será já a primeira, a que me desassossegou e me fez fazer esta figurinha tonta, espreitando a noite? Saio finalmente para a rua. Se ali esteve, já voou. No céu, atapetado de nuvens movediças, uma lua crescente acena para mim em jeito de consolo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A vida é bela (112)

... quando o arco-íris descansa um pouco, sentado no chão.


Baile de máscaras

Circulam pelos salões, eles com esvoaçantes capas, elas frufrus de rendas e leques. Pairam no ar seduções, misturam-se acordes de música e conversas segredadas. Entre uma dança e outra, uns quantos mudam a máscara e, de novo, se apresentam como se outros fossem. É vã sua ilusão. Trocam de personagem, mas de perfume não.  

domingo, 6 de novembro de 2016

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Contas simples

Está uma chuva mansa lá fora e há pouco fui ao quintal estender roupa debaixo do telheiro. Digo-te da chuva mas imagino que, também do teu lugar, a estás a ver. Deves até senti-la bem melhor que eu, nessa incorporação da natureza que gosto de imaginar que acontece. Enquanto desdobrava as camisas, as toalhas, o pijama, enquanto pegava nas molas, enquanto prendia cada peça de roupa, olhei para trás. Olhei e vi-te no tempo em que me contavas histórias de mim. Olhei e vi aquela história de brincar na praia e da euforia da construção de amizades. É fácil Mãe… Vês? Já arranjei uma amiga. E arrastava a Lili para as pequenas poças de água junto às rochas. Contavas-me dessa minha habilidade para ganhar amigos e foi essa memória mediada que hoje resgatei. Era fácil Mãe. Mas hoje, debaixo do telheiro, sob a chuva mansa, contas feitas, pesam mais os que perdi.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

terça-feira, 1 de novembro de 2016

A história

O homem ouvia e mantinha-se calado. Quando lhe perguntaram se não tinha, pelo menos, uma história para contar, respondeu que sim, que tinha. E contou:

- Uma história.